segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O cinema de Wong Kar Wai

Semanas atrás assisti alguns filmes da mostra Retrospectiva Wong Kar Wai na Caixa Cultural, e participei de um curso ministrado pela crítica de cinema Tatiana Monassa. Então, resolvi, postar um breve texto sobre o que foi apreendido da obra deste complexo cineasta. Apesar de não ter assistido todos os filmes dele, posso registrar minhas primeiras impressões:)


Aí vai..


No contato com um filme, o espectador se emociona ao mesmo tempo em que sua compreensão da obra está amparada na razão. A narrativa cinematográfica, na maioria das vezes segue uma ordem, um encadeamento dos fatos que exige compreensão analítica de quem assiste. E quando o (tal) encadeamento dos fatos praticamente inexiste? E quando a emoção dos personagens é o cerne, o dispositivo primordial no contexto fílmico? Esse é o cinema de Wong Kar Wai, cineasta nascido em Xangai e radicado em Hong Kong, cuja mostra foi exibida na Caixa Cultural, de 09/11 a 21/11. Foram exibidos 10 longas do diretor, além de debate e um curso sobre o cineasta com a crítica de cinema Tatiana Monassa.



Wong ganhou admiração e respaldo do público e crítica com um cinema inventivo, amparado em uma linguagem visual arrojada, na qual valoriza a câmera lenta, jump cuts (aceleração das imagens dentro de um mesmo plano, o que dá um efeito videoclip à cena) e cores vivas (muito néon). Tais recursos são cabíveis para explicitar a abstração de seus filmes, em voga devido à sua concentração em torno dos personagens, ou, para ser mais específico, da dor emocional e da angústia da existência dos personagens. Na obra de Wong a desilusão amorosa norteia a temática.

A dor da perda de um grande amor e a incapacidade de lidar com o mundo sem alguém especial ao lado são temas frequentes em seus filmes. Pode parecer brega – caso, principalmente, se levarmos em conta o machismo latino americano que ridiculariza o homem que sofre com a perda de alguém, o fulano com "dor de corno" etc – mas é um cinema basicamente emocional, sobre o amor. Personagens caminham num diálogo interior, fogem em busca de um recomeço, começam romances efêmeros para livrarem-se do passado infame...




Não existe preocupação com o roteiro (no sentido de contar uma história com ordem cartesiana e relação causa/efeito) nos filmes de Wong, eles não seguem a narrativa no sentido clássico. Como fora mencionado, o ordenamento lógico dos acontecimentos é secundário (ou talvez nulo), o estado de espírito dos personagens é o foco. Em Amores Expressos (1994) o policial lamenta o fim do relacionamento e come várias latas de abacaxi em calda, com a preocupação de que o prazo de validade da última lata coincida com a data do término, e questiona-se: “Será que algo no mundo não tem data de validade?”.

A relação metafórica com a comida é mostrada em Um Beijo Roubado (2007), único filme americano do diretor. O dono do bar (Jude Law) explica que a torta blueberry é a única que ao fim do dia está inteira, pois ninguém comprou uma fatia sequer. O personagem diz que não existe explicação para isso. É apenas sorte, casualidade.

Os paralelos com objetos físicos, tácteis – a comida, neste caso – é usada com frequência para exemplificar a relação entre os personagens. Em Amores Expressos, o cuidado do policial com o sapato da mulher que levou para o quarto, e, no mesmo filme, o zelo da garçonete com o apartamento do (também) policial do segundo conto.

Sem o convencionalismo que majoritariamente emperra os filmes sobre amor (sejam estes comédias ou melodramas), Wong Kar Wai ousa e confunde o espectador, com o turbilhão de imagens difusas que saltam na tela, e, numa leitura superficial, seus filmes podem ser considerados desconexos, lentos e até mesmo pretensiosos. A experiência cinematográfica, no entanto, é rica. E para cinéfilos (ou não cinéfilos) a importância da emoção é imensurável.
Texto publicado no site: http://www.cinemanarede.com

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Tetro

Roteiro e Direção: Francis Ford Copolla

Uma das instituições responsáveis ( talvez a mais responsável) para moldar o caráter de alguém é a família. Quando os critérios morais são deixados de lado na relação entre pais e filhos as conseqüências costumam ser nefastas. Depois da trilogia ‘Poderoso Chefão’, Francis Ford Copolla volta a destrinchar as nuances do ambiente familiar no excelente Tetro, filme pontuado por uma história densa e com aspectos visuais belíssimos.


No filme, Bennie (Alden Ehrenreich) viaja para Buenos Aires e reencontra o irmão Tetro (Vicente Galo) um ex escritor amargurado que insiste em esconder o passado, como ele mesmo diz, está “divorciado da família”. Tetro incomoda-se com a presença do irmão e com o fato do caçula investigar o seu passado. O bom roteiro de Copolla jamais vilaniza ou transforma o personagem Tetro em uma vítima indefesa; em determinado momento ele chama o irmão de ‘amigo’ na frente de uma garçonete e chama determinado amigo de ‘irmão’ na frente de Bennie, que fica claramente magoado com atitude insensível. O sujeito ranzinza, no entanto, revela-se carinhoso com a esposa, tem faro artístico – é admirado pelo irmão, pois costumava levá-lo para assistir ‘Sapatinhos Vermelhos’ no cinema, assim como óperas – e encontra-se claramente fragilizado devido ao misterioso passado que o atordoa.



A relação turbulenta entre Bennie e Tetro é personificada pelo excelente trabalho dos dois atores que compõem com eficácia a personalidade complexa e a inquietação dos personagens. O embate verbal entre eles é extremamente denso. (assim como discussões tão bem representadas na trilogia Poderoso Chefão e em Apocalipse Now )


Tecnicamente Tetro é impecável. O preto e branco da fotografia destaca belíssimas sombras que contribuem no destaque de semblantes dos personagens ( o detalhe me lembrou ‘Cidadão Kane’). Em determinada sequência, na qual Tetro discute com o irmão e a esposa, ambos aparecem no plano enquanto só a sombra de Tetro é mostrada. O plano possui beleza estética, e também é significativo no ponto de vista narrativo como metáfora, afinal aquele Tetro no momento da conversa esconde segredos, ele naquela ocasião expõe àqueles que convivem (e ao espectador) somente sua ‘sombra’, não a imagem verdadeira, não sua verdadeira alma. Em outro momento, o contraponto entre o vermelho de um vestido e o preto e branco, na cena de uma montagem teatral, se traduz numa bela cena.


É fato que o grande clássico da filmografia de Copolla é a trilogia Poderoso Chefão – com destaque para os dois primeiros – mas considero comparações infundadas, pois cada trabalho é responsável pela sua premissa. Tetro é um filme com densidade psicológica e um roteiro coeso com a estética intimamente relacionada à trama, o que não resulta num filme belo, porém vazio. Apesar de aparentemente não ter pretensões comerciais, não é um filme difícil, a narrativa é ágil e atrativa. Copolla entende de famílias conflituosas, e mais ainda, de cinema.
Crítica publicada no site: http://www.cinemanarede.com/

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Tropa de Elite 2

Direção: José Padilha

Roteiro: Bráulio Mantovani


No primeiro ‘Tropa de Elite’ a quase onipotência do BOPE era evidente. O “bom mocismo” (ênfase nas aspas) dos caveiras foi visto com bons olhos pelos espectadores, ávidos em repetir cada jargão do capitão Nascimento e companhia. O Batalhão de Operações Especiais da polícia do Rio de Janeiro parecia ser um antídoto contra a criminalidade. Quinze anos se passaram, e em Tropa de elite 2, a problemática não se estabelece apenas no confronto entre traficantes versus policiais, mocinho de um lado e um vilão feio, sujo e marginalizado do outro. O sistema corrupto cujos interesses políticos e econômicos são primordiais revelam uma sociedade(classe política, elite, classe média, etc) com valores espúrios. E para lutar contra essas adversidades não basta força física. Maduro, complexo e revelador, ‘Tropa de Elite 2’ está, certamente, entre os grandes filmes da história do cinema Nacional.

No filme, Capitão Nascimento (Wagner Moura, incrível) após uma mal sucedida operação em um presídio, passa a entregar a Secretaria de Segurança do Estado. Com seu perfil conhecidamente violento decide transformar o BOPE em uma máquina de guerra e expulsa traficantes de vários morros cariocas. O fato permite a ocupação desses morros por milicianos. Além dos problemas no trabalho, a vida pessoal de Nascimento encontra percalços na ‘distante’ relação com o filho e no confronto ideológico com Fraga, deputado Estadual com posições contrárias as dele, que é casado com sua ex mulher. O ator Wagner Moura mantém o tom viril, e sanguinário do Nascimento do primeiro filme, mesmo que não parta para o confronto físico, o ex Capitão ‘explode’ com surpreendente facilidade, o que fica claro em discussões ásperas com Fraga e o ex companheiro do BOPE Matias. O ator por outro lado, constrói um Nascimento, acuado, desiludido e inseguro ao, muitas vezes, ter que lidar com situações que jamais imaginara. Ter que confrontar um sistema corrupto, no qual o mesmo faz parte, como uma singela engrenagem.


Transformar o ‘super herói’ do primeiro Tropa de Elite em uma engrenagem do sistema é uma das principais virtudes do filme. Se antes as soluções pareciam pautáveis, hoje a complexidade dos problemas o atordoa, o diminui, e de certa forma, o humaniza. Como lutar contra grupos criminosos que atuam dentro do próprio Estado, da própria Secretaria de Segurança para proteger os milicianos que seriam úteis no processo eleitoral na conquista de votos para o Governador em questão? Como confrontar com os próprios paradigmas mediante ao fato de sempre olhar com desdém para aqueles que como o deputado Fraga, defende os Direitos Humanos; se a violência que usara estava( de certa forma) a serviço de um estado corrupto? Confuso, Nascimento rever certos valores e neste filme é um personagem menos arrojado, no entanto, mais maduro e ainda corajoso.

Padilha atenta também para o poder da mídia. O jornal que ignora certo assunto por causa proximidade das eleições. O apresentador de programa sensacionalista, ridicularizado pelo próprio Governador que precisa dele, pois o programa tem boa audiência. Estreitamento de relações nas quais fortalecem a máquina do Estado.

É estabelecido nos créditos iniciais: o filme é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Obviamente, como notou uma matéria sobre o filme no Jornal ‘O Globo’, um miliciano não dispararia tiros para o alto em um churrasco comemorativo em uma comunidade na presença do Governador e do Secretario de segurança; difícil acreditar que um policial reuniria o aparato do Estado para montar uma blitz no intuito de encher de pancada um Secretário de Segurança corrupto. Essas questões não são problemáticas. Afinal, é cinema, é imaginário. É triste constatar ( principalmente como morador do Rio de Janeiro), no entanto, que muitos dos personagens desta obra fictícia são reais e estão no poder.

Com excepcional técnica – excelentes cenas de ação, perfeito encadeamento das cenas com uma uma montagem competente que mantém o ritmo da narrativa mesmo com um roteiro tão intrincado – Tropa de elite 2 é um filme pessimista. O vilão é o Estado, pois os políticos são os condutores deste. Clássico.